terça-feira, 12 de abril de 2011

Dica de Livro: O Quieto Animal da Esquina de João Gilberto Noll

Quando Caio Fernando Abreu comparou a escrita de Noll com o ato de vomitar ele usou de toda sua ironia. Não sabia ele, porém, que tal alegação se tornaria a melhor definição para este “Quieto animal da esquina”, livro de João Gilberto Noll lançado pela primeira vez em 1991 e relançado em 2003 pela editora Francis. Noll nos apresenta um narrador-personagem homem comum, desempregado, morador de periferia que conta sua história através do fluxo de consciência, os fatos são expostos simultaneamente, todos de uma só vez. Por isso é como vômito, o leitor precisa mergulhar no texto, tatear a massa consistente da narrativa e assimilá-la, não buscando linearidade ou lógica. Noll põe em cena um protagonista vazio que conta sua história de forma incompleta, deixando lacunas que o leitor deve preencher. A narrativa é toda em primeira pessoa. O livro começa com o protagonista dando uma visão geral de sua vida. Ele, poeta que pouco escreve, desempregado, drogado, desacreditado, um entre tantos moradores das periferias do país. De repente é preso sem sabermos o motivo. É levado para a casa de um homem, sem sabermos quem é este homem e qual o motivo que o faz abrigar o protagonista. Durante toda história nos deparemos com fatos mal explicados, diálogos subjetivos e ações irregulares.
Este livro é um excelente expoente da literatura contemporânea: cheio de referências da pós-modernidade. A identidade indefinida do protagonista exemplifica a perda de identidade dos indivíduos. A ação focalizada no presente, nenhuma utopia ou crença no futuro são outros itens explorados na história. O erotismo é nu e cru, ligado somente ao físico. As cenas de sexo são descritas rispidamente; não há envolvimento afetivo nem busca de companhia, ao contrário, as relações sexuais apenas confirmam a solidão dos personagens e sua plena aceitação disso. Não temos noção de tempo. Não sabemos datas ou a duração dos acontecimentos. Os parágrafos têm tamanhos irregulares, uns muito grandes outros pequenos, justamente para representar esta ação descontínua. Esse vazio de informações reflete o vazio existencial do personagem; entre ele e a sociedade há um vazio tão grande que, ao invés de tentar transpô-lo, ele o aceita e se entrega, naufraga na bruma deste vazio. Noll intriga os leitores com a falta de linearidade, em vários momentos são jogados fatos que dizem respeito à outros momentos da trama e é preciso atenção para fazer as conexões. Muitos destes fatos são pistas que o autor dá para compreendermos o que aconteceu com o protagonista, e seguindo tais pistas constatamos que ele não é um narrador confiável pois não narra sua trajetória de maneira comprometida com a verdade, é apenas a sua versão. A tensão da narrativa e suas lacunas prendem o leitor de tal forma, que Noll consegue instigar todos nós a descobrir o que não foi revelado, a nos questionar se fomos realmente capazes de entender o texto entre suspeitas e dúvidas. A história de um homem nunca foi tão desafiadora. E se lembrarmos da declaração de Caio Fernando Abreu, afirmo sem titubear que sim, este livro é um vômito, o herói nada heróico expele sua própria história e o leitor não deve agir com repugnância ou receio de mergulhar no líquido disforme da narrativa. Um texto que incomoda, nauseia e desafia. . Fotos: Google Texto: Hudson Pereira